sexta-feira, 22 de junho de 2012

DISCUSSÃO PARA O CO DE 26/06/2012: Nota sobre as reformas no estatuto e regimento em curso na USP


DISCUSSÃO PARA O CO DE 26/06/2012: Nota sobre as reformas no estatuto e regimento em curso na USP
23 de junho de 2012, GT Estatuinte

Semana passada foi anunciada uma reunião extraordinária do Conselho Universitário (CO) no dia 26 de junho para discutir a “Estrutura de Poder na Universidade”. Entre os temas em questão estão o conselho universitário, os conselhos centrais, as congregações, os conselhos de departamentos, as eleições, e a duração do mandato de reitor, diretor, chefe de departamento e seus respectivos vices. A pauta anuncia tais tópicos fundamentais sem indicar qualquer outra informação sobre como serão tratados. O presente texto pretende contribuir para o debate e para preparação à reunião com informações sobre as últimas mudanças que já ocorreram no estatuto e no regimento geral da USP e o que elas sugerem a respeito do que está por vir.
A demanda por democratização e por uma estatuinte soberana e democraticamente eleita é pauta antiga dos movimentos e grupos na USP. Desde 1988, ano da aprovação do atual estatuto, sabia-se que as transformações então em curso eram insuficientes e não bastavam para que a organização e a estrutura universitárias construídas ao longo dos anos de ditadura sofressem uma transição democrática.  Recentemente, em razão da pressão dos movimentos universitários pela democratização da USP, até os dirigentes, chefes de departamento e o próprio reitor se sentiram compelidos a tocar no assunto. O tema se colocou na agenda do dia de modo incontornável.
Mas é preciso considerar em que termos o anseio por mudanças tem sido traduzido nos órgãos decisórios da universidade. Desde 2011, o CO tem se ocupado em reformar partes do estatuto, do regimento geral e dos regimentos de diversas unidades. Em 5 de julho de 2011, por exemplo, foi aprovado um novo método de progressão na carreira docente, que tinha como chamariz a promessa de abrir novas oportunidades de ascensão e aumento salarial para professores que não podiam mais progredir na carreira, especialmente, por causa do limite de vagas de professores titulares oferecidas pela reitoria.
Mais do que isso, a reforma prometia que esses professores progrediriam também politicamente, o que seria um grande avanço na reestruturação do poder na USP. De fato, os professores associados 3, e não mais apenas os titulares, poderiam se tornar diretores de unidades. Trata-se, sem dúvida, de um avanço. Mas é claro que essa alteração não abrangeu os cargos de reitor e pró-reitores, que continuam destinados somente aos professores titulares. Tampouco alterou a sobrerrepresentação dos professores titulares na Congregação e nos Conselhos de Departamentos.
Desse modo, essa foi uma reforma politicamente habilidosa da reitoria. Pois se, de um lado, ela ampliou as possibilidades de acesso ao cargo de diretor nas unidades e promoveu aumentos salariais, de outro, vinculou o plano de carreira a mais avaliações e exigências de produtividade – a partir de agora controladas por órgãos centrais -, sem realizar mudanças estruturais e silenciando grande parte do corpo docente que a pressionava.
Tampouco as mudanças realizadas na reunião do CO do dia 23/02/2012 poderiam ser apresentadas como reformas no sentido da democratização. Não foram casuais as renomeações de diversos órgãos, substituindo os termos que apontavam para uma gestão conjunta (coordenadoria, comissão) por expressões hierárquicas de mando (superintendência). As superintendências recém renomeadas, ou então, de fato, recém criadas, passaram a estar diretamente submetidas ao reitor, concentrando mais seu poder. O anúncio, pouco tempo depois, de que a Superintendência de Segurança seria comandada por um ex-coronel da PM não deixa dúvida sobre o caráter da mudança.
Mas outras ações este ano seriam responsáveis por continuar a levar a promessa de uma reestruturação de mais democracia na USP. É o caso do regimento da pós, aprovado no Conselho de Pós-Graduação em reuniões realizadas em 25/04 e 09/05, e que ainda aguarda anúncio de inclusão de pauta no CO. Apesar de ter sido amplamente questionado pelo movimento de pós-graduação da USP Capital, foi publicizado como um progresso na descentralização das decisões na universidade.
Assim, apesar das amplas diferenças, essas três reformas apresentam semelhanças impressionantes se as olharmos mais atentamente. Primeiro de tudo, quanto ao período em que elas ocorreram:todas fora do ano letivo. Tentou-se aprovar a do Regimento da Pós-Graduação no Conselho de Pós-Graduação durante as férias de começo de ano e este calendário só foi alterado graças à resistência estudantil. Mesmo assim, a aprovação no Conselho de Pós não tardou e não seria de se estranhar que ela entrasse na pauta da reunião do CO em alguma sessão “extraordinária”, a ser designada para julho. Já há precedentes nessa direção. A da carreira docente começou nos últimos dias de aula (28/06/11), mas foi adiada para o dia 05/07/11 por não ter alcançado o quórum de aprovação. Enquanto a sessão sobre a criação de superintendências foi a mais emblemática nesse sentido, pois ocorreu no dia 23/02, na quinta-feira depois do carnaval.
O esforço para impedir o amplo debate desses temas tem sua razão de ser. Isso porque mesmo aquelas alterações que se anunciam como avanços na democratização não deixam de revelar uma maior concentração de poderes. No caso da carreira docente, o progresso na carreira até então dependia da avaliação das bancas das unidades que abriram o concurso (mesmo no caso de Professor Titular, a vaga é fornecida pela reitoria, mas o concurso ocorre nas unidades). Com o novo método, a decisão sobre a progressão de carreira sai do âmbito das unidades e é assumida por Comissões de Avaliação Setoriais e Temáticas, que são constituídas em um complexo sistema no qual as congregações das unidades elaboram listas tríplices e a Comissão Central de Avaliação escolhe qualquer nome destas múltiplas listas. Esse tipo de sistema em que as eleições são duplamente indiretas – os professores elegem a congregação, que por sua vez vota numa lista tríplice que ainda está sujeita à escolha da Comissão Central – não é novidade na USP. A atual escolha dos gestores do Conselho de Pós-Graduação (órgão hierarquicamente mais alto no assunto), que o novo regimento proposto não altera, se inicia com o corpo docente elegendo a Comissão Coordenadora de Programa no nível dos programas e departamentos, e esses, por sua vez, elegendo o seu coordenador (dentre seus membros). Na etapa seguinte os coordenadores elegem, dentre eles, o presidente da Comissão de Pós-Graduação (CPG), no nível da faculdade. E, por fim, esse presidente será membro do Conselho da Pós junto aos 47 outros presidentes de CPGs de unidades (eleitos da mesma forma), além de 4 representantes de CPGs de museus, órgãos complementares e etc., 10 representantes discentes e o pró-reitor escolhido diretamente pelo Reitor.
No entanto, a progressão na carreira docente e o novo regimento da pós também possuem novidades, no que diz respeito ao método de concentração de poderes. Tal fórmula combina a descentralização de funções administrativas (o parecer conclusivo sobre a progressão, no caso da carreira docente, e, principalmente, o credenciamento de disciplinas e orientadores, no caso da pós) com a concentração da elaboração dos critérios que devem ser usados na realização dessas funções (critérios dos pareceres de aprovação e dos credenciamentos). É verdade que no caso da carreira docente, a Comissão Central de Avaliação – à qual as outras estão submetidas – “apenas” precisa aprovar os critérios sistematizados pela Setorial e Temática, mas deve ser observado que as próprias Comissões Setoriais e Temáticas já representam uma concentração de poder em relação às unidades. Para garantir o controle central sobre as funções descentralizadas, a Comissão Central de Avaliação (carreira) e o Conselho de Pós-Graduação tem o poder ainda de deliberar sobre a extinção ou modificação dos órgãos submetidos a eles.
Esse processo imbricado de concentração de poder é adequado a um contexto em que a reitoria reivindica estar a favor da democratização. Assim se a descentralização de funções serve ao propósito de manter esta imagem de que todos participam do processo democrático, o sistema complexo dificulta o reconhecimento de tais engenhosidades e, portanto, do aumento do poder central. O próprio reitor já tentou se esquivar de qualquer desconfiança, afirmando que Comissões de formação tão complexa como as Setoriais e Temáticas não podem ser confundidas com o poder da reitoria.
É verdade que mesmo revestidas d alguma forma de descentralização, tais reformas nem sempre tiveram uma aprovação fácil. Na reunião do dia 28/06/11, a nova proposta de carreira docente não atingiu o quórum necessário para aprovação. Mesmo assim, não se vê na proposta aprovada no dia 05/07/11 uma aceitação ampla de todos os itens questionados como caminho para a acomodação e aumento da aceitação da reforma. A estratégia que a Reitoria usa para o aumento do quórum é, na verdade, divulgar no USP destaques, entre o dia 28 de junho e o dia 5 de julho, a versão de que a estrutura básica da carreira já tinha sido aprovada (o que não havia ocorrido), apresentar ainda estatísticas de que 50% dos doutores e 90% dos associados poderiam ser beneficiados e dizer, por fim, que somente uma minoria foi contra o modelo, citando nominalmente os representantes dos doutores, dos associados, dos funcionários e dos alunos, como se fossem os únicos que rejeitaram o projeto. É interessante notar que os representantes citados representam cerca de 1/5 do número de votos contrários e abstenções. Isto demonstra, mais uma vez, o interesse da reitoria em questionar os representantes de docentes, funcionários e alunos como se os outros conselheiros fossem mais legítimos (entre eles os diretores de unidades e os representantes das congregações).
Feito esse balanço, o que podemos esperar a respeito de uma possível reforma nos pontos de estrutura de poder anunciados para discussão do dia 26/06? Primeiro, o projeto de eleição democrática para uma estatuinte soberana parece pouco provável, pois é a partir da atual reitoria e do atual CO que novas medidas devem ser aprovadas. Além disso, todo o conjunto de demandas de democratização – eleições diretas dos representantes em todos os órgãos por seus representados, transparência nas decisões, participação mais igualitária dos segmentos nos órgãos deliberativos, abertura da USP para a sociedade, uma universidade mais inclusiva, fim da terceirização, entre outras – deve ficar, novamente, ausente das reformas.
Mesmo assim, é bem provável que o projeto seja revestido de democratização – seja pela descentralização de algumas funções, seja pela relativização de um elemento da atual estrutura (como foi a cessão de certos privilégios políticos ao Associado 3). No entanto, se a estratégia da reitoria se mantiver igual, isso deve ser acompanhado por um projeto de concentração ainda maior do poder da reitoria, o que anula os ganhos democráticos. A compreensão dos efeitos dessas mudanças, assim como o enfrentamento das manobras da reitoria para ter sua proposta aprovada sem realizar mais concessões (entre elas, a recorrente realização de reformas fora do ano letivo) exigirá uma alta capacidade de discussão, conscientização e mobilização.